O escrete dos dezenove anões

Da redação - // Interior do Brasil

Primeiro time do mundo formado só por anões, o Gigantes do Norte segue invicto e quer agora jogar na Copa do Brasil
É dia de treino no estádio Francisco Vasquez, propriedade do centenário Tuna Luso, em Belém, capital do Pará. Quando os atletas entram em campo, de mãos dadas, são recebidos com aplausos por alguns, olhares de deboche e curiosidade por outros.
Na dianteira, o craque da equipe puxa o grupo: Vagner Love, 1 metro e 10 centímetros de altura, mãos gorduchas e cabelos de trancinhas. Love é o mais observado dos 19 anões.
Juntos, formam o Gigantes do Norte, “o primeiro time de anões do mundo”, segundo o técnico Carlos Lucena, treinador também do time principal do Tuna Luso. Além de Love, a equipe tem Paulo Nunes, Robinho, Mineiro e até Chimbinha. Todos com alguma característica física que lembra os craques famosos e o guitarrista banda Calypso.
Carlos Lucena e seus dezenove anões já chamaram a atenção até da imprensa internacional. Segundo o treinador, uma TV alemã entrou em contato dias atrás para fazer imagens dos baixinhos em ação. “Eles querem mostrar as jogadas dos anões antes das partidas do campeonato alemão profissional”, diz. No jogo de estréia, os Gigantes do Norte mostrou que não foi formado apenas para saciar a curiosidade alheia.
O time goleou o Visagentos, formado por deficientes físicos da cidade de Bragança, nordeste do Pará, por 8 a 1. A estrela foi Love, que marcou dois gols. “Um de cabeça e o outro foi de cobertura”, diz.
Fora de campo, Love é Casimiro Ribeiro Leal, de 21 anos. Sem emprego, nascido em Santa Cruz do Arari, pequeno município da Ilha do Marajó, partiu para Belém atrás de mais oportunidades. Não conseguiu. É a habilidade com a bola que hoje lhe garante alguns trocados. “De vez em quando me chamam para fazer embaixadas antes de algum jogo e me dão R$ 40”, afirma.
Durante o treino coletivo, Love marca dois gols, dá vários chapéus nos adversários e aplica até o famoso drible da vaca, agora repaginado: quando o marcador chega, ele sobe em cima da bola com os dois pés, toca para a direita e corre pela esquerda, avançando livremente.
Na entrada da área, solta um chute forte no canto do gol. A inspiração do camisa 11 do Gigantes não é o verdadeiro Vagner Love, nem o “baixinho’ Romário, que tem apenas 60 centímetros a mais que Casimiro. “Gosto de ver o Robinho jogar. Acho sensacional ele fazer todos aqueles dribles.”
Outra revelação do Gigantes do Norte é o meia de criação Antonio Reis, conhecido dentro de campo como Paulo Nunes. “Sempre trabalhei com diversão e queriam que fosse DJ, porque conheço toda a técnica dos equipamentos. Mas sou muito tímido. Meu negócio é jogar bola mesmo. Esse time veio para mudar minha vida. Tenho certeza que ainda vai dar para viver disso”, diz o loiro de pouco menos de um metro e meio de altura.
O Gigantes do Norte também reacendeu as esperanças de Antônio, outro anão com dificuldade para conseguir emprego. “Sempre é mais complicado para a gente. A maioria aqui não trabalha. Meu sonho é que a gente arrume patrocinador e consiga viver disso, que é o que a gente ama fazer”, afirma.
Hoje, por vestir a camisa do Gigantes -que empresta o uniforme infantil da Tuna Luso- cada atleta recebe pouco mais de R$ 3 por treino, dinheiro suficiente para pagar o transporte. “Eles nunca tiveram outra chance senão ser palhaço de circo ou animador de festa infantil. Agora podem sonhar. Estão felizes e se sentem mais valorizados”, avalia o técnico Lucena.
A idéia de formar uma equipe de anões saiu de uma conversa entre outro jogador, o Capacidade, e o técnico Lucena no início de dezembro. “Dei a idéia e disse que conseguiria reunir o pessoal”, diz Capacidade. “Começamos a divulgar na TV (onde Capacidade faz pontas em um programa local) e na mesma semana juntamos sete anões”, completa Alberto Jorge Costa Mendes, 33 anos, o Capá. Em pouco tempo já eram 19.
“Tem mais gente querendo vir. Tem anão do Piauí, do Ceará e do Maranhão que me ligou pedindo vaga. Mas não temos ainda como manter esse pessoal aqui”, diz Lucena.
Na segunda partida do Gigantes, outra vitória: 3 a 2 sobre o sub-13 da Tuna Luso. Os próximos jogos serão durante o Campeonato Paraense de Futebol. A equipe não se inscreveu para jogar contra os profissionais, mas deve fazer preliminares antes dos jogos no estádio Francisco Vasquez.
A diretoria da Tuna trabalha agora para conseguir autorização para que os Gigantes joguem abertura do jogo da Tuna contra o Coritiba, pela Copa do Brasil no dia 13 de fevereiro: “Ia ser um sonho para eles todos entrar no estádio do Mangueirão e jogar com uma grande torcida observando”, afirma o treinador.